A capacidade do cooperativismo de alterar a realidade da vida das pessoas e das comunidades foi tema de uma tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Regional Jataí, em 2021. O trabalho foi desenvolvido e escrito pelo geógrafo Divino José Lemes de Oliveira, como requisito para obtenção do título de Doutor em Geografia. Atualmente, ele atua como professor e coordenador do curso de Geografia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), unidade de Iporá. O objetivo da pesquisa foi compreender como as cooperativas agem na organização daquele município. A partir dos dados obtidos em campo e com base em reflexões teóricas, Divino constatou que o cooperativismo foi um elemento de mudança no município de Iporá, especialmente nas últimas décadas. Na entrevista abaixo, concedida com exclusividade ao Sistema OCB/GO, Divino explica que o cooperativismo tem um papel importante na sustentabilidade e que realmente colabora com a elevação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos municípios. 

O que te motivou a escrever a tese sobre o papel das cooperativas?

Vários foram os motivos pelos quais me levaram a escrever sobre o papel das cooperativas. Um motivo muito importante e relevante foi a influência vivenciada em movimentos sociais. Desde criança participei acompanhando meus pais em movimentos associativos e cooperativos e, posteriormente quando jovem também, participando em movimentos de organização similar, como: CEBs, Pastoral da Juventude e em partido político. Logo tive contato com cooperativas no município de Iporá e até de outros estados, além de Goiás. Quando do contato destas cooperativas, percebi que as mesmas têm contribuindo localmente e especialmente para seus cooperados promovendo desenvolvimento econômico de forma mais solidária. Elas atendem às necessidades e interesses de seus membros por meio de um modelo de organização democrática e participativa. Além ainda de contribuir economicamente como instrumento de desenvolvimento econômico da região atingida, bem como das comunidades mais vulneráveis, como é o caso da região do Oeste Goiano e também da zona rural. Outro elemento visivelmente perceptível é a importância social das cooperativas; pois elas conseguem oferecer benefícios sociais do tipo: acesso a serviços financeiros, de educação e até treinamento para os membros cooperados e também para a comunidade. E, isso que citei, são elementos para sustentar que as cooperativas fazem com que a melhore a vida das pessoas cooperadas e indiretamente atingidas. E por fim, outra questão que contribuiu na provocação para escrever essa tese, com essa temática, é por entender o papel sustentável das cooperativas. Inicialmente essa era uma das questões que fazia parte das hipóteses, mas que depois de pesquisar detalhadamente, pude averiguar que de fato, os valores baseados na cooperação e solidariedade, e também baseados na necessidade de preservar o meio ambiente, contribuem para implementação de práticas mais sustentáveis, garantido considerável nível de responsabilidade com o meio ambiente e com as práticas sociais.

No meio do cooperativismo muito se fala que municípios com a presença de cooperativas apresentam um IDH superior aos demais. Alguns estudos também já trataram do assunto. No caso de sua pesquisa, você constatou que em Iporá a presença das cooperativas também contribuiu para elevar o índice local? De que maneira?

Primeiramente devo dizer que as cooperativas são importantes porque contribuem para a distribuição de renda; pois são organizações que buscam funcionar de forma democrática. As mesmas buscam promover melhoria de vida aos seus membros viabilizando distribuição de renda de uma forma mais justa. Aqui em Iporá, lócus de minha pesquisa, verificamos que as cooperativas contribuem de forma evidente na redução de desigualdades sociais, pois conseguem oferecer trabalho e melhoria de renda, inclusive para pequenos produtores que se encontravam sem acesso ao mercado convencional. Um público geralmente excluído da participação na renda são as mulheres e jovens, e aqui se verificou capacidade de inclusão desse público. Em algumas situações, mulheres passaram a obter renda a partir da participação na cooperativa, e em várias situações se constatou que as mesmas contribuíram significativamente para o aumento da renda familiar, possibilitando acesso social que antes de estarem cooperadas não se tinha. Como exemplo de melhoria na distribuição de renda local, cito um fator relevante e constatado em cooperativas aqui em Iporá, que foi a ampliação da participação dos agricultores familiares e pequenos produtores; eles se sentiram apoiados pela cooperativa, depois que passaram a ter acesso a novos mercados, inclusive obtendo uma melhor valorização de seus produtos. Portanto, verificamos que as cooperativas contribuem para elevação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). As mesmas buscam se organizar baseadas na cooperação entre seus membros, contribuindo para melhoramento da produção, para ampliação da produção e consequentemente para a promoção do desenvolvimento econômico, humano e social. Portanto, os elementos que melhor evidenciam a contribuição das cooperativas no aumento do IDH de Iporá, foram a geração de emprego, especialmente para membros das famílias dos cooperados e a melhoria de condições de vida por meio do aumento de renda. Outro fato de cunho social e contribuinte para a elevação do IDH foi o fortalecimento da comunidade, por meio de ações de cunho cooperativo e solidário; e também as práticas sustentáveis nas atividades econômicas que viabilizem um melhor desenvolvimento, menos impactante ao meio ambiente.

Na tese, você cita um caso de uma pessoa que estava empregada na cidade, mas que voltou para o campo porque a renda na cooperativa seria melhor. É um exemplo de que o cooperativismo colabora com a sucessão no campo e também pode travar o êxodo rural?

Divino José Lemes de Oliveira

O cooperativismo pode ser aplicado em diversas áreas, que vão desde a agricultura aos serviços financeiros, saúde, educação, habitação e de consumo; portanto o mesmo se trata de um modelo bem versátil, com capacidade de promover desenvolvimento humano e econômico de forma democrática e sustentável. Dou aqui uma ênfase no cooperativismo que atende a área da agricultura. No local onde pesquisei, verificamos que as cooperativas que atuam nessa perspectiva conseguem reunir agricultores familiares e ou pequenos produtores que passaram a obter acesso à compra de insumos com preços mais acessíveis e a venda de seus produtos por preços melhores, inclusive conseguindo novos mercados. Outro fator bastante relevante é a contribuição aos pequenos produtores rurais no compartilhamento tanto de recursos como de conhecimentos. As mesmas fornecem assistência técnica para melhoramento da produção e ampliação de acesso aos novos mercados. Consecutivamente contribuem no aumento da produtividade e da renda, contribuindo assim na rentabilidade e na fixação desses produtores na zona rural. As cooperativas pesquisadas também possibilitaram a diversificação de atividades econômicas na zona rural, como a produção de doces, hortas, artesanato, criação de animais exóticos e de pequeno porte, dentre outros. Com isso, tais atividades possibilitaram a ampliação de renda, contribuindo para fixação de moradores na zona rural e em algumas situações até freando o acelerado e descontrolado êxodo rural. A permanência citada em algumas situações também tem relação com a influência das cooperativas na melhoria da infraestrutura e de serviços ocorridos por meio de assistência no transporte de estudantes, investimentos em estradas, financiamento de tanques de leite e melhoramento do serviço de energia elétrica; como se verifica esses são elementos que promovem mais conforto para vida no campo e a torna até mais atraente. Do ponto de vista sociocultural, verificamos também que por meio de ações combinadas com outros movimentos, inclusive religiosos, houve mais promoção da participação e mais engajamento dos moradores da zona rural, incluindo até ex-moradores, que acabam voltando para esses locais com mais frequência para participar de atividades como jogos, confraternizações, cavalgadas, terços e outros.

Recentemente, entrevistei o caso de uma cooperativa de trabalhadores rurais que inicialmente produzia apenas leite. Aos poucos, os cooperados começaram a comercializar as frutas que colhiam em casa, até mesmo nos quintais e, juntando o pouco que cada um repassava, foi possível ter uma escala para comercializar e até mesmo produzir polpas. Inclusive, o cultivo das frutas teve uma participação maior das mulheres cooperadas, o que aumentou a renda familiar. Gostaria, por favor, baseado em seus estudos, que comentasse essa capacidade do cooperativismo de fortalecer os elos que seriam mais fracos na cadeia comercial e de produção do sistema econômico em que vivemos.

As cooperativas são formadas por pequenos produtores que, na maioria das vezes, não sabem como organizar e potencializar sua capacidade de produção e não têm poder de negociação, ou mesmo, estrutura individual para se adequar a normas comerciais e tributárias. Mas através da cooperativa, quando se unificam com outros produtores que têm as mesmas necessidades e ideias similares, os mesmos ganham força para negociar com preços melhores e com melhores condições de venda para sua produção. Conseguindo inclusive adequar novos produtos para serem vendidos. Não menos importante, são a assistência e a qualificação profissional que as cooperativas conseguem viabilizar aos seus cooperados. Além ainda de abrir novos horizontes, incluindo os chamados elos mais fracos da cadeia de produção comercial. As mulheres de pequenos produtores, na maioria dos casos antecedentes as cooperativas pesquisadas em Iporá, eram excluídas totalmente do processo produtivo comercial; mas com acesso às cooperativas viram a possibilidade de qualificação e de aperfeiçoamento de técnicas da produção. A chamada produção de porta ou de quintal tem ganhado visibilidade e proporção com capacidade de ampliação da renda de também de autonomia participativa. Assim, verificamos que por meio das cooperativas é possível incluir trabalhadores na economia formal, muitas situações como essa podem ser explicadas pela evidência na inclusão de venda de produtos que antes não eram vendidos por não terem quantidade suficiente, registro, nota fiscal, dentre outros. Ainda nesse mesmo viés especificado, cita-se que muitas cooperativas têm viabilizado aos seus cooperados o acesso a crédito e mesmo a outras facilidades para compra de insumos, ração e outros, que ajudam a fortalecer a produção, possibilitando melhor capacidade de paridade no mercado. De tal maneira, o cooperativismo é sem dúvida uma importante ferramenta para fortalecer os elos mais fracos da cadeia comercial, especialmente por promover a inclusão social e econômica de pequenos produtores.